Caudalosa

Era difícil olhar para trás.
Os pecados nunca ditos,
as severas tristezas atravessadas
como num rio em correnteza.
Meus pés deixaram de tocar a areia por várias vezes.

Era muita dor.
Tanta que nem se sentia mais,
porque o corpo não racionava.
Podia enterrar ele ainda pulsante,
se quisessem.
A cabeça, derretida debaixo da pele e osso.

Era mais fácil não olhar.
Mais tentador, mais humano.
Mas eu não sou humano. Sou uma anomalia sobrevivente.
Só os troncos velhos conhecem nossa chegada até aqui.
O que foi preciso, queimado e transmutado.

Compreendido, ainda é difícil olhar para trás.
Mais caudaloso por vezes,
mas já sei como meus pés podem encontrar o chão.

Tia Rosa – Pentecoste 2025

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