Besta fera e transmutação

O corpo submerso em lama estava em seu habitad natural. O corpo de terra, água e fogo.

Pensava que aí não poderia me mover e voltei invertide, quintuplicade em um prisma circular. Desabrochar dói, “dor de crescimento” dizia para a atriz, enquanto ela se contorcia na areia, sabendo que, por dentro, meus ossos estavam como pasta quente que escorre debaixo da pele morta, enquanto a contemplava atravessar o quadro, simulando os movimentos que viriam a ser e enquanto arremessava a parte de mim mesme para abraçar uma co-autoria.

De isso se trata: abandonar metade de você, ser parte de um todo, ser lama. Abdicar do ego e da falsa certeza absoluta, que inconscientemente sempre me agarro pra mentir estabilidade ou controle. Abrir mão da metade de si que parece um inteiro, mas não é. Não nessa situação.

Se abrir por dentro, se encher de amor e pensar além de si. Por vezes é leve, mas também pode ser pesado. Carregar proteções consigo, tomar banhos e confiar, podem ajudar. A lama me ensinou.

Queria ter meu corpo submerso naquela lama durante horas. Escutando as cigarras cantando pro amanhecer enquanto via parte de mim escoar junto a maré baixa. Agora, enquanto escrevo, ainda estou lá esperando a lua cheia, emulando ser o poderoso corpo vegetal que havia buscado, sonhando por meio de imagens fantásticas. Fera de areia, musgos, conchas, folhas e galhos. Distante do que chamam e proclamam como humanidade.

Na verdade, quanto mais longe dessa humanidade, mas me sinto eu. Sem cabeça, desenfreada, com fogo saindo pelo pescoço. Guiade pelos gritos e desejos de todes antes de mim. Um dia essa imagem foi controle, mas por um curto momento, sonhamos ela como revolução.

Ser lama também é manter quietude, se camuflar, deixar que a matéria se deteriore em si e brote como musgo difratado. Não sei dizer se tive que deixar ir o orgulho ou se apenas não tive palavras quando só preferi observar e aprender. Custei até entender minha rebeldia e saber usar com mais gente.

Tenho uma ingenuidade de acreditar que assim, ume está mais preparade para se deixar surpreender com as marés, deixar o corpo levitar metade no ar, metade na água. Não paro de pensar adaptar o cinema e seu modo de produção a essa visão.

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